quarta-feira, 15 de julho de 2009

EU TAROT: Arcano sem número, O Louco

Peregrino no encanto abominável das formas, mensageiro do essencial, ou seja, de mim mesmo, faço de todos os caminhos meu caminho.

Folha seca que, num suspiro do tempo, vem conceder esperança às fogueiras, calafrio que torna verde os lábios das fêmeas e violeta o membro que penetra seus mistérios.

Serpente que desliza na rocha sem deixar rastros, mistério insondável da origem primeira, sonho que sonha, abundância invisível, todas as minhas horas são sempre hoje.

Vou ao essencial, ao centro do mundo, e entre o vazio que separa os números me expando até as dez direções, para encontrar meu significado profundo em qualquer canto.

Deixo sempre que as circunstâncias decidam, porque sei que sou eu mesmo quem as cria. Como as nuvens, sem cessar me transformo. E quando termina o delírio da separação, sou o mesmo de antes e o mesmo de depois.

Sou a palavra secreta encerrada em cada pedra. Vou no germe, na espiral do crescimento, na dança do organismo que declina. Eixo invisível de tudo que gira, sou a loucura na a língua do sábio, a vítima no lobo, o ladrão no juiz.

Sou o conteúdo que escapa às formas, o terreno onde germinam as estrelas, a impronunciável Verdade raiz da Beleza. Em minha abismal energia o pensamento perde limites. Ante qualquer proposição abro o leque dos múltiplos contrários, o ciclone que passeia entre as tumbas, o pântano onde se misturam os cimentos da razão, para produzir a flor indiferente que se entrega ao temerário regozijo do momento.

Às vezes me seguem fugazes recordações do que deixei para trás, em minha corrida incessante para não perder a inocência primeira. Ali onde não existem qualidades nem reputações, nem leis nem nome, nem sexo nem idade, nem país nem história, sem preocupar-me deixo entrar em mim mesmo os inumeráveis aspectos de meu ser.

De meu pensamento não resta mais que o perfume, pois as palavras, antes de serem música, foram aroma, e de meus passos, o ritmo bruto da ausência de direções. Sou o que sou, amo como amo, desejo o que desejo, estou onde estou. Centrado na fonte da vida, sou aquele que nunca dorme, como chama de ouro num vaso de cristal sem fim.

Fonte: Yo, el Tarot / Jodorowsky