Não sou aquele que, dominado por um horror ao vazio, foge de seu lugar verdadeiro buscando um sonho para convertê-lo em pátria.
O presente não me parece a continuação de um passado inaceitável. O futuro não me atinge a cabeça como um martelo de aço. Nem me devoram todas as sombras do mundo.
Como vôo heróico de uma águia ferida, vou mais além de onde cessam as palavras. Entre acordes, matizes e estruturas, permito que a ilusão ascenda à beleza, convenço o caos a tornar-se ordem.
O importante não é um disfarce do mesmo, o necessário não é uma farsa do casual, o duradouro não é um suspiro do efêmero, a verdade não é um peixe cego num oceano sem fim.
Quem ignora as ameaças da lua e com humildade aceita minha presença, se apodera de minha espada que reluz nas entranhas da alma.
Unimos a raiz de nossas mentes, bebemos o sangue de feras inclementes, lançamos flechas para dominar o vento. Sobre cabeças cortadas, elevamos templos, envolvemos nossos pênis em couro de serpente. Onde pode elevar-se meu trono se não no centro do firmamento?
Entre o fecundo aroma do alto e o visceral alento do abismo, transformo os chifres da minha fronte em coroa que impõe a obediência. Esperma onde se unem a loucura da água com o ardor do deserto.
Deixa de sentir-se uma criança abandonada. Para despertar, cumpra aquilo que lhe aterra. Aceita que teu corpo seja um sonho, livra tua língua dos conceitos, transforma teu nome numa fogueira, não ofereça resistência ao abandono, peça ao vento que apague sua memória.
Renuncia a marcar um território, converta em corda de arco as fronteiras, atua como cúmplice do cosmos. Disfarçado de ovelha, entre no esconderijo do lobo. Com a tranquilidade de uma rocha, persevera.
Um dia, irradiando chamas como um Sol de carne, serás o único proprietário de ti mesmo.
Fonte: Yo, El Tarot / Jodorowsky