terça-feira, 11 de maio de 2010

O Ego


Nós construímos uma pele invisível à qual damos o nome de ego?

Não, a pele não é o ego. Nos acostumamos a pensar que seja assim, mas isso não é correto. Imaginemos um leão: ele chega até onde seu salto alcança, esse é o seu território. Quando um animal se vê invadido em seu território, ele salta. Existem plantas cuja percepção alcança quilômetros de distância, aves que vencem distâncias formidáveis com o seu vôo, ou organismos que são sensíveis ao que está muito longe. E o homem? O homem não tem limites.

O que seria o ego, então?

Fala-se muito sobre o ego sem compreender o que ele é. Na verdade, temos nosso ser essencial e uma outra parte adquirida que permite uma identificação, ou identidade. Esta última é o ego, uma identidade adquirida, que está a serviço da essência. O ego pode degenerar e se transformar em personalidades desviadas, esquizofrênicas, paranóicas. Porque é no ego que acontecem os traumas e os golpes da vida.

O que significa "sacrificar o ego"?

Este ego, isto que chamamos nosso "Eu", este pequeno monstro, caricatura que foi marcada por toda a nossa história, é belo. Nosso ser é belo, mas ao sacrificar a caricatura que somos, chegamos ao nosso ser essencial. Isso não é fácil, pois estamos acostumados a sermos sempre os mesmos. Durante vinte, quarenta ou sessenta anos, somos a caricatura de nós mesmos e jamais a abandonamos. O sacrifício consiste em converter-se em um ser novo. É muito difícil sacrificar a concepção que temos de nós mesmos, nossos pontos de vista, nossos hábitos... O ego é um ponto de vista. Sacrificar o ego é sacrificar o ponto de vista que temos sobre nós mesmos e sobre os outros.

O que podemos fazer no mundo sem o ego?

O ego é surdo. Surdo e cego. O ego é necessário enquanto a casca que envolve a essência. O ego tem que se render perante a essência. Isso de "matar o ego" é uma loucura dos gurus que, certamente, são grandes ególatras. O ego tem que ser domado.



No Tarot, na carta do Louco, o animal que o segue apóia suas patas na base de sua coluna vertebral, no ponto em que a tradição hindu situa o centro nervoso que concentra as influências da terra (o chakra mûlâdhâra). Se O Louco fosse um cego, seria guiado por seu cão, mas aqui é ele quem vai na frente de seu animal, o Ser visionário, essencial, guiando o ego. O ego infantil foi domado, chegou num ponto de maturidade suficiente para compreender que ele deve servir ao ser essencial, e não lhe impor seus caprichos. Esta é a razão pela qual o animal, que tornou-se receptivo, é representado na cor azul celeste. Ele colabora com o Louco e o impulsiona. Parte de seu corpo está fora da carta: ele representa assim o passado. Um passado que não impede o avanço da energia essencial em direção ao futuro.


-Alejandro Jodorowsky