sábado, 8 de maio de 2010

BREVE HISTÓRIA DO IMAGINÁRIO

Do ponto de vista histórico, o ser humano começou sua existência fechado no que ele era, dentro de si mesmo. Depois, ele se deu conta de que podia permitir a entrada de elementos que não estavam nele mesmo, e sim fora do seu corpo. Fomos colocados na natureza e o que acontece é que a natureza passa a ser nós mesmos! No começo, no entanto, o mundo nos parecia alheio.


Me dou conta de que existem árvores, vegetação, flores, ervas... Por meio da feitiçaria, um dia eu incorporo a árvore em mim. Crio um totem vegetal. Estou unido à árvore, ao totem. Quando se planta uma árvore, essa árvore é eu; quando o tronco dela é cortado, eu morro. Quando eu morro, suas sementes são colocadas em minha boca, e delas nasce outra árvore maravilhosa. Do meu cadáver surge uma árvore e logo eu me transformo em semente. Tendo incorporado as árvores eu começo a lavrar a terra, porque me identifico com as plantas. O que está na base da minha imaginação é o mundo vegetal, e isso se transmite até os dias de hoje, pois os fitoterapeutas usam as plantas para curar. É preciso entrar no espírito das plantas, mas de maneira inversa, abrindo uma porta para que o espírito das plantas penetre em mim.

O nascimento de Buda acontece na flor de lótus que brota no pântano. Toda religião egípcia ou budista está fundada na incorporação de uma planta, pois esta flor se abre à luz do sol, expande seu perfume e se torna deus. Eu sou uma planta que nasce do lodo, que cresce em meu inconsciente; eu cresço a partir da consciência, do conhecimento, e de mim sai o Ser de Luz. A origem disso tudo é remota.



A medida que a humanidade progride em seu avanço, o homem deixa que o animal penetre nele. Ele absorve o animal: os insetos, as rãs, os tigres, os leões, os leopardos, as aranhas... ou seja, o totem animal. Todos os deuses nasceram do totem animal: Apolo, por exemplo, é uma rã. Em muitas culturas, é comum esculpir máscaras de animais. Inclusive o zodíaco é simbolizado por figuras de animais, e ainda hoje, perdura a incorporação do totem animal em nossa vida cotidiana: usamos expressões como "ser uma águia" ou "lutar como um leão". Nós temos o animal incorporado em nós.



E é assim que, em princípio, o ser humano produz sua criatividade: de cada coisa que incorpora, faz nascer um deus. Depois de ter incorporado o animal, o homem torna-se caçador: pode criar vacas, cordeiros... Se ele incorpora um tigre, pode caçar um tigre; se introduz um elefante, pode domar um elefante. É daí que vem o deus Ganesha, na Índia, com sua cabeça de elefante. Para a cultura indiana, Maya é uma aranha que tece o universo; e esse universo é um sonho, tecido em forma de teia. Como podemos ver no tarot, o arcano oito é A Justiça, uma descendente da aranha. Todo número oito descende da aranha: as oito patas, o símbolo do infinito e outras referências.


Porém, precisamos ir mais longe. O homem contempla os movimentos da lua, do sol, e olhando as estrelas, incorpora os ritmos do cosmos. É daí que nasce a lei, a realeza; toda a organização da sociedade nasce da incorporação do ritmo cósmico. Por exemplo, havia um rei que, nas noites de lua cheia, dava presentes ao seu povo e era destronado quando ela se punha. Eles acompanhavam o movimento da lua. Nós pensamos por ciclos. Ainda persiste a participação dos astros na organização da vida social. Somos regidos por um presidente, que simboliza o Sol, e pela mulher do presidente, que simboliza a Lua. O Papa é um símbolo solar; A Papisa é um símbolo lunar.

Já no Século das Luzes, o homem decidiu ser intelectual, puramente intelectual. E assim, a mecânica começa a produzir os aparatos: os motores a gás, os mecanismos e as máquinas que funcionam com energia manual, como os relógios. E o homem incorpora as máquinas. Imita o comportamento das máquinas! Ele assumiu o pensamento racional. Até hoje nós carregamos as marcas do Século das Luzes. O que nos parece impossível não é aceitável. O que não é lógico não tem validade para nós! As máquinas são total e absolutamente lógicas. Elas têm uma finalidade muito clara, e portanto, o homem também tem que ter uma finalidade definida.



Estamos marcados pelo racionalismo. Ser racional é bom, mas ser somente racional é uma doença. Quando a sexualidade tomou o caminho da racionalidade através da religião, produziu-se uma catástrofe. Criou-se uma moral racional que se estendeu para toda a sociedade, o que a tornou profundamente destrutiva. Ao incorporar a racionalidade ao sexo, criou-se um problema que mais tarde nos fez romper com a racionalidade.

Como reação a esta doença, surgiram Freud e os surrealistas. O surrealismo foi muito importante porque fez com que começássemos a nos identificar com os sonhos, nós recuperamos o reino dos sonhos como parte de nós mesmos. Antes disso o sonho pertencia aos deuses, não era para os humanos. Ao incorporar o sonho, eu me tornei o que sonho.



Deu-se mais um passo. Agora, no século XXI, nós temos os computadores. O que supõe uma mudança radical em nossa mentalidade, porque assumimos todos os sistemas de informática. Agora uma casa pode ser vista de qualquer lugar. No seu imaginário, você sabe que pode entrar por uma janela, visitar um apartamento e sair. Podemos olhar uma pessoa com a mente, entrar em todas as suas veias e todo seu corpo para chegar a um lugar específico. Estamos começando a ter um comportamento de computador. É esta mudança que estamos sofrendo neste momento. Processamos dados de uma maneira diferente. O que virá depois disso?



Fiz uma breve recapitulação do histórico do imaginário. Se olho para os meus sapatos, que são de uma época racional, eu os vejo como vegetal, eu vejo os sapatos como raízes. Como couro, o material de que são feitos, posso também ver o animal. E também posso vislumbrar onde eles me levam, os sapatos como objetos, e isso é racional. Surrealista: vejo que toda a minha infância está ali dentro! E nessa época atual, os sapatos podem ser vermelhos, podem ser verdes, amarelos; posso mudar as suas cores, posso mudar as suas formas; há dez milhões de sapatos para eu calçar. Sou livre para sair da minha prisão mental!



-Alejandro Jodorowsky
(Psicomagia)