Ano que vem estarei curtindo meu ano do Arcano XIII, aquele tão mal interpretado, e que insistem em chamar de "Morte". Em sua homenagem, este EU TAROT é dedicado a ele.
Dá-me o que é meu: tua pele, teus músculos, tuas vísceras, teu sangue. Sobretudo tua cara, essa máscara que cobriu tuas mudanças incessantes, quando ao ser criança a inocência adocicava a crueldade de teus sentidos, quando ao ser jovem a loucura vibrava em cada uma de tuas células, quando ao ser homem foi capaz de talhar a primeira pedra do último templo, ou um ancião vendo seus desejos esfumaçarem-se como torrentes de nuvens. Dá-me tuas dores e prazeres, tuas ânsias, teus temores, teus ideais, o insensato carnaval da memória.
Tua mãe, branca como este leite que reclamavas na medula do sonho, o falo de teu pai quebrando a cada noite os cristais do milagre, a voz acre de tua irmã pedindo ser a dona absoluta de tuas sombras, as amantes vestidas de Lua criando pombas que se transformavam em corvos, os amigos que entre vinhos e necessidades te devoravam a alma, os livros, os quadros, os discos, os filmes, os heróis, os filhos, a humanidade inteira com seus obscuros jogos. Todos vieram se despedir.
Agora estás só. Esta terra que te cobre com amor é tua legítima carne. Desça até o centro, atravessa o umbral tenebroso até uma unidade mais ampla, avança por uma vagina dourada, deixe-se levar por um rio invisível. Nunca mais escravo da gravidade, descubra uma palavra muda liberada do calor da língua. Vai de virtude em virtude, de felicidade em felicidade, de triunfo em triunfo, se dissolvendo no bramido criador...
O Verbo te converte em aurora, Sol imóvel ao redor do qual eu giro com minha foice transformada em harpa. Esplendor de minha sombra, abra os olhos: começou sua subida pela escadaria santa. Entrarás na fogueira onde ardem para sempre os profetas, renascerás levando no ventre o feto do primeiro ancestral, surgirás como um gêiser, desenhando caminhos com tua vara verde, serás uma esfera que se expande até alcançar o mistério, ponto onde se cruzam todos os eixos. Nunca mais te equivocarás de caminho.
Fonte: Yo, El Tarot / Jodorowsky